A relação do homem com a natureza deveria ser uma troca bilateral, de cooperação mútua, em que ambos os lados seriam beneficiados. No entanto, na prática isso não acontece: há muito tempo, em especial após a primeira Revolução Industrial, essa troca deixou de ser positiva de forma que a natureza já não possui o tempo necessário para se regenerar. Segundo dados da Global Footprint Network*, em 2018 a população mundial consumiu, apenas no primeiro semestre, todos os recursos que a natureza poderia produzir naquele ano.
O esgotamento de recursos já foi anunciado. O derretimento das calotas polares engole, dia após dia, centímetros do solo em que pisamos. Estão em curso uma constante descaracterização da vida selvagem e um desalinhamento do comportamento humano e o aquecimento global nos coloca em uma panela de pressão prestes a explodir. É preciso buscar alternativas urgentes que transformem a relação homem X natureza através de um novo olhar para as origens.
Lavoiser, em sua célebre frase “na natureza nada se cria, tudo se transforma”, resume o conceito de ressignificação do meio como fonte de inspiração para design contemporâneo. A biomimética, que analisa processos e estéticas da natureza, vem sendo usada como instrumento de estudo aplicado tanto ao design de produto quanto à sua funcionabilidade.
Nossas inspirações
Ao pensarmos no início, na origem da vida na terra, caminhamos em direção ao entendimento dos mecanismos e formas da natureza. A biomimética é a ciência que estuda esses elementos, processos e funções a fim de aplicá-los ao design. Através da biomimética analisamos as manifestações da vida no planeta para desenvolvermos uma coleção que servisse de reflexão tanto em relação à necessidade de mudança quanto à riqueza presente na vida selvagem.
É possível assim, traçar um paralelo com o Livro do Gênesis do Antigo Testamento, um conto criacionista compartilhado de forma muito similar por diversas crenças, que relata o passo a passo da criação do planeta por um designer sublime. Cada elemento desta criação traz características únicas, indispensáveis tanto para o funcionamento do planeta quanto para a estética da coleção.
A luz é o primeiro dos elementos, o gatilho para a vida na terra. Sua presença condiciona bem-estar e é essencial para o desenvolvimento da criatividade. Matizes brilhantes e ao mesmo tempo translúcidas como o Tule Dress Star, um tule com foil dourado, e o Silky Jacquard Chakra, um tecido leve bordado em padrão triangular, possuem detalhes dourados que representam feixes de luz solar.
A mãe terra, foi desenhada para ser fértil e abundante, sendo o mais generoso dos elementos por compartilhar seus frutos e nutrientes. A diversidade presente nela nos inspirou a trazer materiais com superfícies trabalhadas, ranhuras e relevos. Tecidos levemente texturizados como o Venice, silky leve para camisaria, e o Rayon Santorini, tecido de viscose maquinetada em padrão floal, são inspirados nas superfícies de folhas e plantas enquanto que o Silky Anarruga e o Rayon Creponado Listra, ambos hiper texturizados, remetem a nervuras e veios de raízes e troncos.
Flora e fauna compõem uma harmonia perfeita em que os mais variados elementos se complementam em um ecossistema rico em texturas e cores. Observamos desde os minúsculos veios presentes em folhas verdes até a pelagem de grandes mamíferos para elaborar uma coleção repleta de desenhos e formas naturais. Tons vibrantes das penas de pássaros exóticos, a riqueza dos formatos de flores, a maciez de peles e polpas de frutas são traduzidas na coleção através de bordados como os Bordados Barceloneta, com padronagem orgânica, e Rosetta, com flores pequenas e delicadas, rendas e estampas, em uma harmonia de texturas e cores dignas da mãe natureza.
Biomimética no design
- O designer francês Philippe Starck desenvolveu o “Juicy Salif”, um espremedor de frutas cítricas com design tecnológico que se assemelha a uma aranha.
- Zaha Hadid, premiada arquiteta iraniana, projetou o Glasgow Riverside Museum of Transport na Escócia, uma construção cujas curvas, que representam ondas, se transformam em linhas retas e pontiagudas como gelo se solidificando. A estrutura representa a relação entre a cidade de Glasgow e o rio Clyde, baseada na construção naval.
- Mais recentemente, em 2017, temos a coleção de inverno apresentada na semana de moda de Paris por Iris Van Herpen, onde ela se inspirou na engenhosa capacidade da natureza de se replicar e produziu peças cheias de contornos, estruturas e beleza.
- Talvez o maior exemplo de uso da biomimética seja a estilista Iris van Herpen. Fazendo uso constante de formas orgânicas em suas coleções, ela explorou mais profundamente o conceito Ludi Nature para o SS18. Em um artigo para a Vogue, Van Herpen comenta: “ Não se esqueça de como a natureza projetou a si mesma: acho que nós, como seres humanos, nem chegamos perto da inteligência dentro da natureza. É engraçado como as pessoas pensam que a natureza é simples e a tecnologia é complexa, mas é o contrário, a tecnologia é simples e a natureza é complexa”.
FONTE:
*Global Footprint Network: Organização não governamental de pesquisa de recursos naturais e mudanças climáticas.