Por Ricardo Oliveros*
Já escreveu Aristóteles que a mente humana não é capaz de pensar sem imagens. Quando ele discute, na Filosofia Clássica, o termo phantasia, está falando da origem da imaginação. As palavras que têm a sua origem neste termo grego evoluíram em sentidos próximos, como fantasia, fantasma, ou fantástico, e têm uma ligação profunda com tudo o que escapa à realidade, de uma forma muito mais contundente que o conceito de imaginação.
Não sabemos exatamente quando a fantasia saiu do aspecto filosófico e ganhou materialidade através do uso de vestimentas simbólicas (que não pertencem ao cotidiano) para assumir um caráter divino ou profano. No primeiro, representa ou nos aproxima das forças que não podemos explicar pela razão. Nas manifestações festivas, como o carnaval, ela tem a função de esconder a identidade de quem usa, e permitir-lhe um temporário estado de anonimato. Usá-la significa negar Apolo (o senso da ordem), para se entregar a Dionísio (o êxtase).
Se por um lado, a moda pode ser entendida como uma repetição de um padrão, que permeia a ideia de um senso comum, há um momento na criação em que a roupa ainda não existe no mundo real, ou seja, ela se aproxima do estado da fantasia. Não temos como negar que a roupa tem uma dimensão social, de representação, de pertencimento, seja ele real ou apenas uma simulação, já que hoje a mobilidade que ela apresenta não é capaz de representar uma classe, a menos que você considere uma marca como marco desta distinção.
Se a roupa assume esta postura apolínea, ainda temos, desde o princípio da moda, nossos criadores, que assumem a porção dionisíaca, que a moda pode (ainda) ter. Não foi gratuita a escolha pela Texprima de João Pimenta, Fernanda Yamamoto, Ronaldo Fraga, Anderson Tomaz e Karin Feller: há uma fina linha que costura cada um destes criadores, que não são apenas capazes de fazer coleções de roupas, mas constroem histórias que pertencem a outro modelo.
Longe de afirmar que o que eles fazem é fantasia, e sim, que estão preocupados de ir além da simples representação de uma realidade, que está roubando de todos nós a possibilidade da moda ser muito mais do que uma série de peças de vestir. Assim como a fantasia, a moda pode ser muito mais do que ela é, e ser aquilo que representa um ato genial de criação. E não é quase mágico, que a partir de uma mesma matéria prima, o tecido, ela seja capaz de criar tantas tramas, que podem nos remeter a nossa memória mais ancestral?
* Ricardo Oliveros é Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela EESC-USP, jornalista de moda há 16 anos, tendo colaborado para várias publicações. A partir de 2003, atua como curador de exposições como Imagética em Curitiba, Viés e Além do Muro em São Paulo.
O coquetel de abertura da exposição “Folia de Seis” foi ontem, confira um pouco do que aconteceu por lá: